quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Addicted to Love

Sabe, senhor doutor, eu acho que até nem estou doente, mas foi uma grande minha amiga que me disse para cá vir. Foi ela que me convenceu que isto que eu tenho pode ter, como ela diz, um fundo patológico. Eu acho que não, senhor doutor, mas como ninguém é dono da verdade porque a verdade nunca é só uma nem única, até pode ser que a minha amiga tenha mesmo razão e eu não ande boa da cabeça.
Para ser mais exacta, não é na cabeça que reside o mal, isto sou eu só a pensar alto, que é para isto que uma pessoa cá vem, também me explicou a minha amiga que é sua paciente e que por decoro, não lhe posso dizer quem é. 
Ando nisto desde a segunda classe que é quando uma pessoa entra na idade da razão. Até nem comecei muito cedo, já ouvi histórias de pessoas que revelaram sintomas com três ou quatro anos, mas a verdade é que embora me tenha dado o primeiro ataque na idade da razão até hoje nunca me perguntei porquê. A vida está cheia de ironias e uma delas reside nisto mesmo; se calhar estou doente há quarenta anos e nunca me apercebi disso. Mas há sempre um dia em que uma pessoa tem que enfrentar a realidade, sob o risco de ser engolida por ela e é por isso que cá vim, para ver se me ajuda a evitar essa contingência.
Primeiro foi o Paulo, que tinha cara de sonso e os olhos muito azuis. Parece-me que tinha cabelo oleoso e morava num bairro sinistro, mas desses pormenores só me lembro agora. Na altura andava era mesmo encantada com ele. Depois foi o João Pedro, que era primo de uma amiga e também tinha olhos azuis. E depois o João Carlos, meu colega do ciclo. E depois o filho do alfaiate, e depois o Miguel, um moreno de olhos grandes que morava no prédio em frente, jogava ténis e futebol e que não me ligava nenhuma. E olhe que ainda não tinha 14 anos quando o conheci. Não, não foram meus namorados; naquela época ninguém sabia como é que isso se fazia, não havia filmes nem essas coisas, dar a mão era um acto aventuroso, emocionante, que roçava a indecência, por isso o amor era sempre platónico e um sorriso cúmplice, um bilhetinho dentro do compêndio de matemática ou café tomado às escondida no café da esquina eram o suficiente para alimentar meses de paixão ardente e silenciosa. 
Eu achava que com a idade isto me passava, casei, tive dois filhos, separei-me quando o meu marido perdeu o interesse por mim e olhe, há dez anos que continuo nisto. Agora são os colegas da empresa, o meu vizinho do sexto esquerdo que a mulher deixou com três filhos, o meu advogado que também tem uns olhos grandes e joga ténis e outro dia, veja só ao estado a que cheguei, dei por mim a fixar o olhar no rapaz que é caixa no banco. 
Deve mesmo ter uma doença, sou viciada em amor. Mas é um amor platónico, impossível que quase nunca se concretiza. A minha amiga diz que já sofreu do mesmo mal e que o senhor doutor a tem ajudado e é para isso que estou aqui, porque nunca percebi se é o coração que manda na cabeça ou vice-versa e já agora gostava de e tentar resolver esta dependência que me alimenta os sonhos e me impede de viver.



By, Margarida Rebelo Pinto.